A história do José Luiz - Fazenda Santa Inês
16/06/2013 23:29Conheça a história de brasileiros que ensinam a poupar pensando no futuro
Tudo que José Luiz de Almeida conquistou foi trabalhando duro e economizando. É a historia de uma pessoa comum, por assim dizer, a vitória que poderia ser de qualquer um de nós.
Um lugar tranquilo, com ar puro, cercado de verde. Um carrinho incrementado para fazer trilha. E uma casa ampla, bem planejada, com 200 metros quadrados, para curtir com a família. Quem nunca sonhou com um futuro assim?
A história do José Luiz de Almeida é boa porque ele nunca teve nenhuma grande sacada com o dinheiro, nunca ganhou na loteria nada disso. Tudo que ele conquistou foi trabalhando duro e economizando. É a historia de uma pessoa comum, por assim dizer, a vitória que poderia ser de qualquer um de nós.
Repórter Dirceu Martins: O senhor está livre?
Seu José: Estou livre.
Seu José Luiz é taxista no Rio de Janeiro. Ele se mudou para a capital aos 20 anos, porque onde nasceu, em Miracema, no interior do estado, não tinha trabalho, a não ser na roça. José Luiz chegou à cidade grande com um sonho de moço pobre do interior.
Seu José: A minha vontade de vir pro Rio era pra comprar um toca-discos e uma calça jeans. Não tinha calça jeans em Miracema e não tinha dinheiro pra comprar.
Dirceu Martins: Aí o senhor gastou um pouco?
Seu José: Aqui com certeza. O primeiro e o segundo mês de salário quando eu ganhei foi justamente pra comprar o que eu tinha vontade.
Mas a partir do terceiro salário, o dinheiro que sobrava tinha sempre um destino certo.
Seu José: Então, daí pra cá já comecei a economizar.
Dirceu Martins: Comprou a vitrola, comprou calça jeans aí começou a economizar?
Seu José: Depois com um ano que eu estava aqui no Rio já comprei um carrinho pra viajar pra Miracema. Com o dinheirinho economizado.
Tudo bem, era um carrinho velho, mas um bom começo. Naquele tempo seu José Luiz era motorista de caminhão em uma fábrica de bebidas. Trabalhou lá durante 25 anos. Quando se aposentou, usou toda a indenização para comprar um táxi. E continuou trabalhando muito. Praticamente morava no carro.
“Eu sempre trabalhei no taxi 16 horas por dia. É pesado. E também sempre pensando no amanhã. Tem gente que não pensa, só pensa em hoje, quer ganhar hoje e gastar hoje”, comenta o taxista.
Essa é a voz da experiência. Um bom conselho para quem está começando agora.
“O jovem tem muitos gastos que podem ser considerados gastos supérfluos, exageram as vezes nas saídas à noite, no consumo de bens duráveis como carros, celulares e esquecem da terceira idade, esquecem que vão envelhecer e que sua capacidade de trabalho vai diminuir com o tempo”, explica o economista da FGV, André Braz.
Parece que seu José Luiz foi um jovem que se preparou para o futuro. Por isso mesmo, há 16 anos conseguiu dar mais um passo importante, para ele e toda a família: comprou um apartamento na região central do Rio e se livrou do aluguel. As filhas reconhecem o esforço do pai, que sempre ajudou as duas: Danielle trabalha no táxi na parte da tarde. E para Isabelle, que vai casar, o paizão deu um belo presente: um apartamento.
“Mas eu ajudei a comprar. Uns 15%”, diz Isabelle de Almeida, estudante.
Dirceu Martins: E de onde saiu esse dinheiro para o apartamento dela, seu José Luiz?
José Luiz: Então, esse dinheiro é economizando. Muita economia, juntando dinheiro e trabalhando muito.
Isabelle de Almeida: O mais importante que é educação e estudo, ele sempre deu pra gente.
Globo Repórter: Quando que o senhor acha que é o tempo certo para começar a planejar o futuro?
José Luiz: Eu acho que no primeiro dia de trabalho já é a época de você começar a pensar no futuro e economizar.
Parece até que o taxista andou tendo aulas de economia.
“Ele com certeza soube aproveitar os prazeres da vida mas também soube ter responsabilidade para guardar parte de sua renda na forma de uma poupança e essa mentalidade que todos devemos ter, principalmente quando somos jovens. Então ele tem razões para sorrir”, explica André Braz.
Para sorrir e relaxar. Sempre que pode José Luiz vai para a cidade onde nasceu. Longe do trânsito estressante. Ele adora passear com a Dona Carminha, que também é de lá. Mas como viver apenas com a aposentadoria do INSS, na hora de largar o táxi e parar de trabalhar de vez, como ele pretende? O taxista pensou em tudo. A complementação está no pequeno prédio que ele levou 17 anos para construir: uma loja no térreo e dois apartamentos do segundo andar estão alugados. Uma renda que vem quando ele mais precisa.
“Isso aqui é um sonho de muito tempo, de voltar para Miracema, um sonho desde que eu fui para o Rio de Janeiro em 1970”, conta José Luiz.
“É corriqueiro hoje viver 90, 100 anos e isso requer muito mais planejamento para se ter uma velhice com bem estar. Então se começar a poupar cedo você vai constituir um patrimônio que vai te permitir nessa longa jornada lá na etapa final ter um nível de segurança, de conforto, que vai te dar tranquilidade para uma vida legal, para uma vida boa”, explica Eduardo Giannetti, economista.
Pensando no futuro seu José Luiz acabou conquistando o cenário do passado, do lugar onde ele nasceu, para onde ele sempre sonhou em voltar um dia. Hoje ele até pensa em parar de trabalhar, mas sem largar o volante. Se na cidade grande ele é taxista, em Miracema ele gosta de fazer trilha.
José Luiz: Aqui é diferente, eu posso ir para onde eu quiser.
Dirceu Martins: Carro bem diferente do taxi, hein?
José Luiz: Bem diferente, aqui é estrada de chão.
O carrinho esporte é o xodó, merecido. Comprado com o dinheiro economizado, mas para se divertir. E o que não falta em Miracema são trilhas, paisagens e principalmente recordações.
Seu José Luiz nasceu a uns 15 quilômetros de Miracema. O Globo Repórter visitou a sede da fazenda, onde ele, os pais e os sete irmãos trabalhavam. A casa da família ficava pertinho, mas já foi demolida.
Globo Repórter: O senhor trabalhava com que aqui?
José Luiz: Eu trabalhava com arroz, milho, feijão e também trabalhava para fazenda roçando pasto. A vida era muito difícil. Não tinha condições nenhuma praticamente. Trabalhava mesmo, não via dinheiro nunca, não tinha dinheiro.
As dificuldades da infância, a cidade onde nasceu - nada foi esquecido. Mas os apertos que ele passou junto com a família nunca foram motivo de amargura. Pelo contrário.
Globo Repórter: O senhor não tinha sapato?
José Luiz: Não, não tinha sapato.
Globo Repórter: Quando o senhor ganhou o primeiro sapato?
José Luiz: O primeiro sapato eu tinha 15 anos. Foi uma festa que eu fiz quando eu ganhei aquele sapato, fiquei todo feliz.
Globo Repórter: E roupa?
José Luiz: Roupa meu pai comprava para todos uma peça de roupa para fazer roupa para todos os filhos. Um pano só fazia vestido para as irmãs, camisa para os homens e o que sobrava fazia ainda lençol para cama. Então ficava da mesma cor, todo mundo com o mesmo pano.
Santo André, região metropolitana de São Paulo. Bem longe de Miracema, uma outra família também tem motivo de sobra para lembrar do passado e sorrir. Seu Jonas e Dona Margarida já formaram os filhos e estão com a vida encaminhada. Rodrigo é médico e Bruna, publicitária. Quanta alegria para os pais.
Ter a foto de um filho comemorando um diploma é motivo de orgulho para qualquer pai. No caso do economista Jonas Coaglio esse momento tem um significado ainda maior. Quando o Rodrigo estava no primeiro ano da faculdade o Seu Jonas perdeu o emprego. Foi o dinheiro que ele tinha economizado que garantiu o pagamento do curso.
Na época, o desemprego do Seu Jonas foi um choque para toda a família. Ele tem origem muito humilde. Começou a trabalhar ainda criança, como engraxate, e o pouco que ganhava nem ficava com ele.
Globo Repórter: O senhor dava o dinheiro para mãe?
Seu Jonas: Sim, sempre dei. Para comprar comida. O dinheiro naquela época era para comprar comida. Não era para nada mais, porque a gente não tinha outro bem em casa.
Globo Repórter: Doía no senhor dar o dinheiro que o Senhor ganhava como engraxate para mãe?
Seu Jonas: Pelo contrário. Era uma satisfação.
Mas o que doeu mesmo, anos mais tarde, foi a possibilidade de tirar o filho da faculdade por causa do desemprego.
“Nossa, nem pensar, né gente? Foi assim tão a gente ficou tão feliz porque a gente sei lá é de família simples e a gente nunca teve um médico na família, então foi um sonho talvez que a gente nem imaginava. Eu até vesti meu filho. Eu tenho uma foto aí na sala, ele de médico, pequenininho. Eu nunca imaginava que ele ia ser médico de verdade”, conta a aposentada Margarida Coaglio.
“Quando saiu o resultado de aprovação na verdade foi num dia de semana à noite. Quando eu peguei esse resultado eu não sabia se eu comemorava ou se eu deixava sem avisar ninguém”, lembra Rodrigo Coaglio, médico.
“Por quê?”, pergunta o repórter Dirceu Martins.
“Porque era uma faculdade paga, e a gente sabia que não seria fácil pagar essa faculdade, além do mais, ela seria fora da cidade dos meus pais que eles moravam. Mais gastos”, responde Rodrigo.
A salvação foram as economias que Sr. Jonas guardou, a cada mês, durante os anos em que esteve empregado. Um dinheiro suado, obtido em longas jornadas de trabalho.
“A gente trabalhava tem um salário fixo e tinha muitos trabalhos extras e a empresa pagava esses extras, e esses extras eram quase um outro salário, vamos dizer. E esse eu guardava. Todo mês eu ia guardando ele”, conta Sr. Jonas.
Hoje, a descontração nem de longe lembra os tempos difíceis enfrentados pela família. Foram cinco meses de desemprego para o economista experiente, que acabou indo trabalhar em Curitiba, bem longe de casa. Valeu a pena: dois anos depois, ele voltou, recuperou a vaga que tinha perdido em Santo André. A segunda filha também queria estudar.
“Eu fiquei um pouco receosa, como eu já estava começando a pensar no meu futuro, eu já iria fazer o vestibular, perguntei ao meu pai se realmente eu poderia continuar sonhando com esse meu futuro e ele me deixou calma, falou que ia dar tudo certo, que como ele conseguiu para o Rodrigo ele também ia conseguir para mim e não fugiu. Deu tudo certo, graças a Deus”, lembra a publicitária Bruna Biegas.
Dirceu Martins:E por que o senhor conseguiu?
Seu Jonas: Eu consegui porque tinha que conseguir. Tinha uma reserva e essa reserva foi direcionada para ela também. Da mesma maneira como foi para o filho, foi para ela também.
Dirceu Martins:Como é que é para o senhor ouvir eles falando hoje isso, Seu Jonas?
Seu Jonas: Eu me emociono e fico muito contente. É isso aí.
José Luiz: Tudo passa pelo sacrifício, mas depois vem a recompensa e aí valeu a pena. Então, o nosso futuro já chegou.
Dirceu Martins: Seu José Luiz isso aqui parece um paraíso, não é não?
José Luiz: Parece um paraíso, é um paraíso, olha a tranquilidade.
Globo Repórter: Qual que é o melhor lugar do mundo?
José Luiz: É aqui, aqui nessa área. Essa região todinha aqui. Região de Miracema, Fazenda Santa Inês. Não tem melhor, aqui que é o lugar de viver.
Fonte: Globo Reporter - Edição do dia 14/06/2013
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