Modelagem de Nicho Ecológico e Conservação de "Dalbergia nigra"

15/07/2010 16:31

Modelagem de Nicho Ecológico e Conservação de Dalbergia nigra, Espécie Ameaçada de Extinção

Tatiana da Silva Lopes1, Vinicius Rocha Leite2 e Gustavo Rocha Leite3               NOTA CIENTÍFICA

Introdução

Conhecida popularmente como jacarandá-da-Bahia, Dalbergia nigra (Vell.) Allemao ex Benth. (Leguminosae) apresenta distribuição restrita à floresta Atlântica, ocorrendo desde o sul da Bahia até o norte de São Paulo [1]. Devido à destruição intensa de seu habitat natural e sua super-exploração, D. nigra se tornou rara na natureza [2], sendo incluída na lista de espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção [3].

Para a conservação de espécies raras e endêmicas, como D. nigra, ressalta-se a importância do conhecimento da distribuição geográfica destas, bem como entender as condições ecológicas que estão envolvidas nesta distribuição [4]. Segundo Costa et al. [5], a ocorrência atual de D. nigra é restrita a áreas de conservação ou a áreas de difícil acesso. O fato de D. nigra ser uma espécie rara na natureza e estar restrita a poucas áreas, acarreta em certa limitação no conhecimento das condições ambientais que são favoráveis para o desenvolvimento desta espécie. Este aspecto é importante no que concerne à sua conservação, principalmente por ser recomendada em programas de reflorestamento [6].

Apesar de estudos indicarem que a germinação de D. nigra ocorra numa faixa de temperatura ampla [7], seu desenvolvimento pode ser limitado por outros fatores como a pluviosidade ou mesmo a temperatura, quando mais fatores estão atuando conjuntamente.

Modelos de nicho ecológico têm sido aplicados amplamente em problemas ecológicos. Tais modelos extrapolam pontos conhecidos de ocorrência da espécie para áreas desconhecidas [8], sendo estes já utilizados em estudos de: distribuição geográfica de espécies, efeitos da variação climática na distribuição de espécies, seleção de habitat, desenhos de reservas para espécies raras e endêmicas e priorização de áreas de conservação [9].

Diante da possibilidade de se empregar modelos que predizem a distribuição geográfica de espécies baseados em suas necessidades ecológicas, pretendemos indicar áreas geográficas que apresentem condições propícias para o desenvolvimento de D. nigra, determinando os fatores climáticos importantes para sua ocorrência, bem como seus limites de tolerância.

Material e métodos

A. Dados de ocorrência e variáveis ambientais Obtivemos dados de ocorrência de D. nigra a partir de

revisão em literatura especializada. No total foram 36 pontos distribuídos pelos estados brasileiros da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Obtivemos os dados geo-climáticos da floresta Atlântica a partir da base de dados WorldClim (0,042º)

[10] e utilizamos para a modelagem as seguintes variáveis ambientais: altitude (ALT); sazonalidade da temperatura (TS) e da precipitação (PS); temperatura máxima no período mais quente (TMa), mínima no período mais frio (TMi), média do trimestre mais quente (TTQ) e média do trimestre mais frio (TTF); e precipitação no trimestre mais úmido (PTU), no trimestre mais seco (PTS) e anual (PA). A TS e PS representam o coeficiente de variação da temperatura média e precipitação média, respectivamente.

B. Modelagem de nicho ecológico

Para a modelagem do nicho ecológico utilizamos o Genetic Algorithm for Rule-Set Prediction (GARP), algoritmo que trabalha através de um processo iterativo de seleção, avaliação, teste e incorporação ou rejeição de regras [11]. O GARP utiliza as localidades de ocorrência da espécie e dados ambientais para produção de um modelo de nicho fundamental baseado nas necessidades ecológicas da espécie [12]. Este modelo complexo é projetado no espaço geográfico como um mapa de distribuição da espécie [13]. Modelamos o nicho ecológico de D. nigra a partir dos 36 pontos de ocorrência e dos dados geo-climáticos da floresta atlântica. Parametrizamos o algoritmo em 50 gerações, limite de convergência de 0,01 e 2000 iterações, e utilizamos as regras: amplitude, amplitude inversa e regressão logística. Utilizamos a função Best Subset, que dentre os 50 modelos, seleciona os 10 com acurácia maior (e.g., Anderson et al. [13]).

C. Tratamento e análise dos dados

Combinamos os 10 modelos e obtivemos um mapa com a distribuição potencial de D. nigra, possibilitando a identificação de quantos modelos indicavam presença da espécie em cada unidade de área (pixel), que apresentou valores de 0 (ausência) a 10 (presença em 10 modelos). Incorporamos os valores das variáveis ambientais a cada pixel, possibilitando uma análise quantitativa.

Resultados

Todos os 10 modelos gerados foram estatisticamente significativos, de modo que a probabilidade de ocorrência de tal evento, se os modelos tivessem sido

  1. Programa de Pós-Graduação em Produção Vegetal do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Espírito Santo. Bairro Alto Universitário, s/n°, caixa postal 16, Guararema, CEP 29500-000, Alegre-ES.
  2. Programa de Pós-Graduação em Gestão e Educação Ambiental das Faculdades Integradas São Pedro (FAESA).
  3. Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal, Departamento de Biologia, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo. Apoio financeiro: CAPES.

Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 5, supl. 1, p. 438-440, jul. 2007

gerados aleatoriamente, seria praticamente nula (1,1-9 p 1,9-5), indicando que as variáveis ambientais representaram bem os requisitos ecológicos da espécie. A Tab. 1 representa os resultados numéricos referentes às variáveis ambientais das áreas de distribuição potencial da espécie. A Figura 1 apresenta: mapa da distribuição modelada de D. nigra (Fig. 1A); gráfico com a faixa de variação das 10 variáveis ambientais das áreas de ocorrência potencial da espécie em relação à floresta Atlântica (Fig. 1B); modelo bidimensional simplificado do nicho ecológico de D. nigra, onde são representadas duas das mais limitantes variáveis para sua ocorrência (TS e PA); e histogramas de variáveis ambientais importantes para a espécie (Fig. 1D e 1E).

Discussão

Excetuando algumas áreas, o modelo de distribuição de D. nigra (Fig. 1A) foi semelhante à distribuição conhecida da espécie, que abrange os estados da região sudeste do Brasil e o sul da Bahia [1]. Admitindo-se que

o GARP estima o nicho ecológico fundamental da espécie, é provável que em áreas previstas pelo modelo para sua ocorrência, mesmo que não existam registros reais, as condições ambientais sejam propícias para desenvolvimento e manutenção de suas populações. Outros fatores que o algoritmo não considera como aspectos históricos, limitações na dispersão da espécie, ação antrópica e interações bióticas (e.g., competição), podem ter impedido ou estar impedindo a ocorrência natural da espécie nestas regiões.

Observando a Tab. 1 e a Fig. 1B, é possível apontar as variáveis ambientais mais limitantes para a espécie, ou seja, as que apresentam um desvio padrão menor em relação às outras. Dentre as variáveis analisadas, destacamos as mais limitantes (TS e PA) no modelo bidimensional de nicho ecológico (Fig. 1C), que mostra a distribuição de ambientes com condições propícias para ocorrência da espécie (gradação de vermelho) em meio às possibilidades da floresta Atlântica (verde). De outras variáveis apresentamos os limites de tolerância da espécie (Fig. 1D e 1E).

Segundo Peterson & Vieglais [14], A área em que muitos modelos indicam presença da espécie é mais adequada para a manutenção da mesma do que uma área em que uma menor quantidade de modelos a indicam como presente. Estes resultados são importantes na determinação de áreas que apresentem condições adequadas para sua ocorrência. Além da temperatura, os índices de precipitação foram importantes para D. nigra, que apresentou potencial de ocorrência em mais áreas do que as atualmente conhecidas. Os dados apresentados são importantes para o conhecimento da ecologia e preservação de D. nigra. Para sucesso em longo prazo, recomendamos que programas de conservação e reflorestamento com D. nigra utilizem como base estes resultados.

Referências

[1] LORENZI, H. 1992. Árvores brasileiras: manual de identificacação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. São Paulo, Brazil: Plantarum Ltda, Nova Udessa. 352p

[2] DE CARVALHO, A.M. 1997. A synopsis of the genus Dalbergia (Fabaceae: Dalbergieae) in Brazil. Brittonia, 49: 87-109.

[3] IUCN. 2006 [Online]. 2006 IUCN Red list of threatened species. Homepage: http://www.iucnredlist.org

[4] PRIMACK, R.B. & RODRIGUES, E. 2001. Biologia da conservação. Londrina, PR. 328p.

[5] COSTA, C.M.R.; HERRMANN, G.; MARTINS, C.S.; LINS,

L.V. & LAMAS, I.R. 1998. Biodiversidade em Minas Gerais: um atlas para sua conservação. Belo Horizonte, Brazil: Fundação Biodiversitas. 94p.

[6] CRESTANA, M.S.M.; TOLEDO FILHO, D.V. & CAMPOS, J.B. 1993. Florestas: Sistemas de recuperação com essências nativas. Campinas: CATI. 60p.

[7] Ferraz-Grande, F.G.A. & Takaki, M. 2001. Temperature dependent seed germination of Dalbergia nigra Allem (Leguminosae). Brazilian Archives of Biology and Technology,

44: 401-404.

[8] PETERSON, A.T.; BALL, L.G.; COHOON, K.P. 2002. Predicting distribution of Mexican birds using ecological niche modelling methods. Ibis, 144: E27-E32.

[9] Guisan, A. & Zimmermann, N.E. 2000. Predictive habitat distribution models in ecology. Ecological Modelling, 135: 147

186.

[10] Hijmans, R.J.; Cameron, J.L.; Parra, J.L.; Jones, P.G. & Jarvis, A. 2004 [Online]. The WorldClim interpolated global terrestrial climate surfaces. Version 1.3. Homepage: http://www.biogeo.berkeley.edu/

[11] Lim, B.K.; Peterson, A.T. & Engstrom, M.D. 2002. Robustness of ecological niche modeling algorithms for mammals in Guyana. Biodiversity Conservation, 11: 1237–1246.

[12] Stockwell, D. & Peters, D. 1999. The GARP modelling system: problems and solutions to automated spatial prediction. International Journal of Geographic Information Science, 13: 143–158.

[13] Anderson, R.P.; Lew, D. & Peterson, A.T. 2003. Evaluating predictive models of species' distributions: criteria for selecting optimal models. Ecological Modelling, 162: 211-232.

[14] Peterson, A.T.; Vieglais, D.A. 2001. Predicting species invasions using ecological niche modeling. BioScience, 51: 363–371.

Tabela 1. Estatística descritiva das variáveis ambientais utilizadas na modelagem. A importância (peso) para cada unidade de área (pixel) foi dada de acordo com o número de modelos que indicou presença da espécie.

VA Mi Ma Me DP VA MiMa MeDP

TS (CV) 109,0 364,1 204,0 30,6 ALT (m) 1,0 1852,0 548,0 290,8
TMa (ºC) 20,8 33,4 29,7 1,9 PA (mm) 535,0 3403,0 1271,5 201,0
TMi (ºC) 2,9 19,6 12,0 2,7 PS (CV) 18,2 99,0 69,4 14,1
TTQ (ºC) 15,6 27,5 23,8 1,8 PTU (mm) 167,0 1178,0 618,5 119,6
TTF (ºC) 10,3 23,4 18,9 2,1 PTS (mm) 12,0 458,0 87,0 43,5

VA = Variável ambiental; Mi = Mínimo; Ma = Máximo; Me = Média; DP = Desvio padrão; CV = Coeficiente de variação; ºC = Graus Celsius

Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 5, supl. 1, p. 438-440, jul. 2007

Figura 1. Distribuição de D. nigra obtida por meio de modelagem de nicho ecológico, sendo as áreas de ocorrência potencial da espécie na floresta Atlântica representadas em gradação de vermelho de acordo com a combinação dos 10 modelos selecionados. Os pontos representam as localidades onde encontramos registros de ocorrência da espécie, sendo estes utilizados na modelagem (A); Gráfico representando a média e desvio padrão dos valores de cada variável ambiental das áreas de ocorrência potencial de D. nigra. Para que fosse possível a comparação entre as faixas de variação de cada variável, padronizamos os valores da floresta Atlântica entre 0 e 100 (B); Modelo bidimensional do nicho ecológico de D. nigra obtido a partir de duas das mais limitantes variáveis ambientais para sua ocorrência (C); Histograma representando o limites de tolerância de D. nigra em relação à precipitação no trimestre mais seco (D); e Histograma representando o limite de tolerância de D. nigra em relação à altitude (E).

Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 5, supl. 1, p. 438-440, jul. 2007

 

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